"Evidentemente
muitas coisas mudaram à nossa volta. Nossa casa foi bombardeada.
Nossos parentes e nossos amigos não estão mais aqui, alguns não
estão mais neste mundo. Você perdeu seu negócio. Confiscaram-me o
trabalho. Não comemos mais até ficarmos saciados e não fazemos
projetos. Mas estamos juntos Mohsen. É isso que é importante para
nós. Estamos juntos para nos apoiar. Só temos nós mesmos para
alimentar a esperança. Um dia, Deus vai se lembrar de nós. Ele vai
perceber que os horrores por que passamos todos os dias não
conseguiram diminuir nossa fé, que não desistimos, que merecemos
sua misericórdia." [ Kadra, 2006]
O
fragmento de texto acima, do livro Les
Sirènes de Bagdad –
título do original francês, o Kadra reproduz com muita propriedade
o sentimento dos habitantes de Cabul, capital do Afeganistão no
período pós invasão dos russos. Essa é a percepção que se
instalou no pensamento dos afegãos.
No
Iraque, mesmo sendo outro país, o sentimento é o mesmo, o que é
denunciado com apurado conhecimento e relatos pelo jornalista
britânico Jason Burke em seu livro On
the Road to Kandahar –
título do original inglês. Mas agora a origem dos problemas está
na desastrada invasão pelo Estados Unidos e Inglaterra. Eles, os
invasores sem nenhum pudor ou sentimento de culpa acabaram com as
instituições públicas, as empresas privadas, os empregos, com as
fontes de alimentos e, principalmente, com as esperanças dos
iraquianos, um país com aproximadamente 30 milhões de habitantes.
Hoje, em
torno de 45 milhões de pessoas – juntando as duas populações, do
Iraque e do Afeganistão, após as destruições provocadas pelos
seus mais recentes invasores, não tiveram nenhuma forma de ajuda que
pudesse compensar o grau de danos provocados em seus lares e nas
mentes de todos as pessoas que lá habitam.
Penso que a
diferença entre o genocídio provocado na 2ª. Guerra e o genocídio
acontecido no Afeganistão e no Iraque, é que nestas regiões os
danos foram bem piores, pois além das mortes físicas, houveram as
mortes disseminadas pela epidemia da falta de esperança no dia de
amanhã; acabaram com as perspectivas de vida futura do povo; restou
o ódio e o alimento da vingança.
Conforme
Kadra, zumbis perambulam pelas ruas. Em seus lares predomina o medo,
a pobreza e alimento escasso. Sem perspectivas de futuro qualquer
oferta que lhes dê alguma chance de sobrevivência, mesmo que seja
por um dia, é bem-vinda. As pessoas circulam sem qualquer certeza
como será o dia seguinte e é neste contexto que as milícias se
constroem e proliferam; ninguém tem nada a perder, pois eles já
perderam tudo, só não perderam sua cultura de muitos milênios de
anos.
Benazir
Buto em seu livro Reconcilation:
Islam, Democracy, and the West,
também destaca a forma voraz que alguns países ocidentais tem de
impor as suas políticas de dominação no Oriente Médio, com uma
única preocupação: garantir o fluxo de petróleo para o ocidente,
em especial para os grandes consumidores, como é o caso dos Estados
unidos.
Por outro
lado é importante se ter presente a teoria de Maquiavel que diz que
não se pode dominar por muito tempo um país, a menos que o
dominador saiba conquistar o povo, habilidade que os invasores
modernos nunca tiveram.
Existe um
ditado que não recomenda semear no deserto, pois a terra não é
adequada para as sementes germinarem, mas, nos desertos do
Afeganistão e do Iraque as sementes semeadas foram as do ódio,
estas germinam em qualquer terreno e, principalmente, nas mentes de
quem não tem mais nada a perder.
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