sexta-feira, 3 de julho de 2015

Os reflexos de uma política desastrada

by JCosta

"Evidentemente muitas coisas mudaram à nossa volta. Nossa casa foi bombardeada. Nossos parentes e nossos amigos não estão mais aqui, alguns não estão mais neste mundo. Você perdeu seu negócio. Confiscaram-me o trabalho. Não comemos mais até ficarmos saciados e não fazemos projetos. Mas estamos juntos Mohsen. É isso que é importante para nós. Estamos juntos para nos apoiar. Só temos nós mesmos para alimentar a esperança. Um dia, Deus vai se lembrar de nós. Ele vai perceber que os horrores por que passamos todos os dias não conseguiram diminuir nossa fé, que não desistimos, que merecemos sua misericórdia." [ Kadra, 2006]
O fragmento de texto acima, do livro Les Sirènes de Bagdad – título do original francês, o Kadra reproduz com muita propriedade o sentimento dos habitantes de Cabul, capital do Afeganistão no período pós invasão dos russos. Essa é a percepção que se instalou no pensamento dos afegãos.
No Iraque, mesmo sendo outro país, o sentimento é o mesmo, o que é denunciado com apurado conhecimento e relatos pelo jornalista britânico Jason Burke em seu livro On the Road to Kandahar – título do original inglês. Mas agora a origem dos problemas está na desastrada invasão pelo Estados Unidos e Inglaterra. Eles, os invasores sem nenhum pudor ou sentimento de culpa acabaram com as instituições públicas, as empresas privadas, os empregos, com as fontes de alimentos e, principalmente, com as esperanças dos iraquianos, um país com aproximadamente 30 milhões de habitantes.
Hoje, em torno de 45 milhões de pessoas – juntando as duas populações, do Iraque e do Afeganistão, após as destruições provocadas pelos seus mais recentes invasores, não tiveram nenhuma forma de ajuda que pudesse compensar o grau de danos provocados em seus lares e nas mentes de todos as pessoas que lá habitam.
Penso que a diferença entre o genocídio provocado na 2ª. Guerra e o genocídio acontecido no Afeganistão e no Iraque, é que nestas regiões os danos foram bem piores, pois além das mortes físicas, houveram as mortes disseminadas pela epidemia da falta de esperança no dia de amanhã; acabaram com as perspectivas de vida futura do povo; restou o ódio e o alimento da vingança.
Conforme Kadra, zumbis perambulam pelas ruas. Em seus lares predomina o medo, a pobreza e alimento escasso. Sem perspectivas de futuro qualquer oferta que lhes dê alguma chance de sobrevivência, mesmo que seja por um dia, é bem-vinda. As pessoas circulam sem qualquer certeza como será o dia seguinte e é neste contexto que as milícias se constroem e proliferam; ninguém tem nada a perder, pois eles já perderam tudo, só não perderam sua cultura de muitos milênios de anos.
Benazir Buto em seu livro Reconcilation: Islam, Democracy, and the West, também destaca a forma voraz que alguns países ocidentais tem de impor as suas políticas de dominação no Oriente Médio, com uma única preocupação: garantir o fluxo de petróleo para o ocidente, em especial para os grandes consumidores, como é o caso dos Estados unidos.
Por outro lado é importante se ter presente a teoria de Maquiavel que diz que não se pode dominar por muito tempo um país, a menos que o dominador saiba conquistar o povo, habilidade que os invasores modernos nunca tiveram.
Existe um ditado que não recomenda semear no deserto, pois a terra não é adequada para as sementes germinarem, mas, nos desertos do Afeganistão e do Iraque as sementes semeadas foram as do ódio, estas germinam em qualquer terreno e, principalmente, nas mentes de quem não tem mais nada a perder. 

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