domingo, 22 de novembro de 2015

A falta de tempo

by 
Jornei Costa

O tempo que era para ser democrático tornou-se autoritário. Ninguém tem tempo, pelo menos para os outros. Estão todos muito atarefados. Parece que, mesmo os que têm tempo, fazem de tudo para não tê-lo. Tarefas sem o menor valor passam a disputar prioridades em agendas, cujas folgas tornam-se exíguas. Parece que temos medo de ter tempo e não saber o que fazer com ele. Exercitamos o egoísmo de estarmos sempre muito ocupados, assim não temos que dividir nada, muito menos o tempo. A dúvida sempre me persegue. Pessoas caminham em várias direções e abanam em cumprimentos rápidos de modo que nunca sei se estão com pressa ou se tem receio de dizer, sem palavras, que alguém poderia pensar que elas têm tempo.

Sabe-se que o relógio do tempo não espera e que o mundo é dinâmico, mas não precisamos ter medo de ter tempo e nem precisamos inventar algo inútil para justificar a ausência total de tempo para com o outro. Parece-me que fazemos questão de construir-se uma realidade com muitos compromissos para justificarmos, quando chegarmos ao fim do caminho, que faltou tempo para realizarmos os nossos sonhos ou de fazer alguma coisa.

Alguns optam pela rotina repetitiva, mesmo quando esta não é e nem se faz necessária. Embrenhamo-nos no tédio absoluto apenas pela certeza da não imprevisibilidade. Um passo depois do outro, o mesmo meio-fio. Absoluta certeza de não ter que responder o que não gostaria de responder. Pessoas com tempo é um risco para pessoas que nunca tem tempo. Ainda não aprendemos a ariscar o desconforto de ter que pensar. Construo o meu mundo cercado de muros altos para serem obstáculos reais para que ninguém comprometa a segurança do meu tempo conhecido. É mais fácil dizer que não posso, pois assim, o risco de ter que responder a uma situação indesejada é apenas uma remota hipótese. 

"Ah se eu tivesse tempo; teria estudado matemática, teria sido um artista da dramaturgia clássica, teria mudado o mundo. O mundo conspirou contra mim. No lugar de oportunidades ganhei muitas armadilhas, todas elas com falta de tempo. O sono é o grande vilão. A preguiça teima em cercear o meu tempo o tempo todo. A vontade me abandonou no pior momento, justamente, quando tinha tempo. Droga de vida, onde foi parar o meu tempo?"

Quem volta do trabalho diz que não tem tempo porque está cansado. Quem estuda diz que não tempo porque tem que estudar. Quem não faz nada diz que não tem tempo porque ainda não olhou as atualizações do Facebook. Chego a desconfiar desse mundo muito ocupado. Às vezes chego pensar que não temos tempo para poder morrer mais cedo. Se não existo, não tenho compromisso com ninguém. Não preciso responder, perguntar, interagir com pessoas vivas; afinal, os mortos não falam, já tiveram o seu tempo. Ou, talvez, não seja nada disso. Talvez seja uma percepção distorcida do que seja o tempo.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A era das ideias

by Jornei Costa

Lembro, sem muita precisão, que lá pelos anos 2000, um pensador ao divagar sobre os rumos da sociedade do século XXI diagnosticou que estaríamos saindo da Era Industrial e entrando na Era das Ideias. O produto do século seria ideias, a venda de ideias. Parece que o "cara" tinha razão, pois o que se vê é uma associação de inovações e países ricos, em todos os sentidos. Dentro deste novo cenário de novas ideias destacamos os 10 países mais inovadores entre 141 países analisados conforme 79 indicadores relacionados com inovação, economia, política, e outros aspectos, estudo este feito e publicado pela Universidade de Cornell, Escola Pós-graduação em Negócios, na França e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Os 10 primeiros são: 1º Suíça, 2º Reino Unido, 3º Suécia, 4º Holanda, 5º Estados Unidos, 6º Finlândia, 7º Singapura, 8º Irlanda, 9º Luxemburgo, 10º Dinamarca. O Brasil ocupa a posição 70 no ranking. Parece que o nosso negócio ainda é produção de commodities (matérias-primas) com baixos valores agregados e com poucas ideias, salvo a produção agrícola, onde nos destacamos pela alta produtividade, mas cujas exportações ainda predominam produtos in natura, o que não deixa de ser visto como um atraso numa estrutura de negócios se considerarmos que, para cada quilo de frango ou arroz produzido, consome-se 1000 litros de água.

Se quisermos mudar nossa matriz de produção, precisamos, o quanto antes, investir em educação de qualidade com olhos em novas ideias e projetos, destacando produtos com mais valores agregados (tecnologia, mão-de-obra, requisitos de utilização compatíveis com o momento atual). A tecnologia embarcada é um destaque em todos os países ricos, pois estes produtos envolvem softwares (programas) e hardwares (parte física) com uma importante demanda de mão-de-obra em todos os níveis e especializações. A tecnologia embarcada já faz parte do nosso dia-a-dia, onde podemos citar as modernas geladeiras, TVs, micro-ondas, automóveis que usam combustíveis fósseis ou não, motos, smartphones, computadores de mesa, notebooks, aviões, robôs, equipamentos hospitalares, CFTV, controle de dados de animais, gente, e aí por diante. É um mundo sem volta. É claro que como todas as coisas há vantagens e desvantagens; entre as vantagens, o poder de fogo em relação aos preços: pode-se cobrar mais pelos produtos, pois ideias tem um elevado valor no mercado global. Desvantagens: precisamos nos preparar para migrar do século XX para o XXI.

Os efeitos morais das atitudes

by Jornei Costa

Pois, depois de 12 anos, o Ex-premiê Tony Blair vem a público pedir desculpas pelos erros na Guerra do Iraque. Já era hora; afinal, depois de assistir a migração no norte da Europa, cujas causas estão fincadas nas ações de abuso de poder e propostas de moralidade duvidosas, o Mr. Blair deve ter convivido com o drama de consciência por ter sido, juntamente com seu amigo George W. Bush, os causadores do caos que ora se estabeleceu no Iraque e na Síria com o surgimento do Estado Islâmico.

No período que antecedeu a invasão do Iraque eu acompanhei todos os debates entre personalidades de vários setores internacionais, incluindo a ONU e, na época, estava bem claro, não havia nenhuma prova de que o Iraque tivesse arsenais de armas químicas, pretexto usado para o Iraque ser destruído.

Mesmo sem argumentos convincentes, Blair e Bush decidiram invadir o Iraque. É claro que não faltaram quem defendesse as ações dos dois mandatários, alegando, por exemplo, que o Saddam Hussein era um tirano e, por ter esse perfil precisava ser eliminado; mas aí fica a pergunta, e as outras dezenas de tiranos que comandam os vários países da Ásia e África, por que estes também não foram ou são depostos, julgados e punidos?  

No caso em pauta é óbvio que os interesses eram outros, por exemplo, atender setores cuja matriz de ganhos econômicos ainda está fundamentada no velho e bom petróleo e na produção de armas de guerra. Um ranço, que embora fora de moda, ainda é um grande combustível para se fazer guerras, cujas consequências tem o jeitão de uma equação não-linear, a do caos.

Entre muitas dúzias de consequências danosas das ações consideradas imorais, temos o surgimento do Estado Islâmico e a migração de uma parcela da população do Iraque, Afeganistão e Síria em direção a Europa em busca de alguma possibilidade de preservar a vida.  Enquanto isso os Estados Unidos e Inglaterra, responsáveis por inserir variáveis imprevisíveis na fórmula do caos desses países pobres, continuam omissos na busca de uma solução ou de investir na recuperação do desastre criado.

Mas o grande problema que eu vejo em tudo isso é que deveríamos aproveitar melhor os ensinamentos das experiências vividas e, outra questão que me intriga, é que a história se repete em seus aspectos diabólicos e imorais; afinal, onde desejamos chegar?

Os homens do presidente

by Jornei Costa

Não estou falando de "Todos os Homens do Presidente" filme que reproduziu no cinema o escândalo Watergate ocorrido na década de 70, nos Estados Unidos, o que culminou com a Renúncia do presidente americano Richard Nixon.

Hoje, o cenário é tupiniquim: "Os homens do presidente" e ainda não tem filme, nem candidatos aos possíveis personagens que farão as denúncias do maior escândalo republicano, no país que é a nona economia mundial (acabou de perder dois pontos no ranking). A história já está pronta, faltam alguns detalhes, mas são de acabamento, nada que possa mudar a essência da trama.

Lawrence Kohlberg, que foi professor da Harvard University, desenvolveu uma teoria chamada Desenvolvimento Moral, onde ele diz que o desenvolvimento moral pode ser estratificado em níveis e estes em estágios. A teoria formula três níveis: Pré-convencial (crianças) que, por sua vez, é subdividido em dois estágios, estágio 1, cuja orientação social é Obediência e Punição e o 2 é Individualismo/Instrumentalismo. O nível Convencional (adolescente) tem o estágio 3, "Bom garoto/Boa garota" e o 4, Lei e Ordem. O nível Pós-convencional (adulto), estágio 5, Contrato Social e o estágio 6, Consciência Social. 

Em "Os homens do presidente" parece que a teoria do professor Kohlberg se aplica muito bem, mas ao contrário, ou seja, o grande grupo dos falcatruas fizeram vistas grossas para todos os estágios da teoria de Kohlberg. Um belo caso para debate acadêmico. Mas teria esse tipo de assunto efeitos na pobreza nacional e mundial e, portanto, mereceria atenção? Por este enfoque, sim. Grandes estudiosos de efeitos sociais e econômicos atestam que uma das maiores causas da pobreza e a miséria no mundo é a corrupção. É claro que o assunto da moda é o aquecimento global, mas será que é confortável convivermos com o coquetel de problemas que nascem em um ambiente com elevados níveis de corrupção?

O Armazém

by J Costa

Numa das muitas curvas da RS 608, estrada de chão que liga Pedras Altas a Herval, ficava o Armazém. Não era um armazém qualquer, era um armazém com cara de Shopping Center ao estilo Idade Media. 

O movimento começava cedo, com o café da manhã numa mesa de dois metros e meio por um e quarenta, sob o teto de um rancho coberto por palha de santa-fé. Mais ao canto, na cozinha, o que não faltava era água quente contida em chaleiras de ferro em cima de um fogão da marca Berta.

Naquele centro comercial, cujo foco era o armazém, os nativos atendiam suas demandas básicas, entre elas, a informação; vendiam peles de ovelhas, banhavam o gado, compravam querosene, gasolina, carregavam as baterias dos raros automóveis da comunidade, negociavam campo, vendiam ovelhas, gado, cavalos, e decidiam o preço da semente da cebola. 

A mangueira, localizada a cinquenta metros da porta do estabelecimento, emitia barulhos de patas de cavalos e os gritos  ritmados dos peões que organizam o gado para entrar no brete, que desembocava num banheiro para banhar os animais contra parasitas. Na continuação ficava o piquete, pequeno espaço de campo, onde gado ficava até que o evento do banho fosse completado.

Sentados em bancos de tábua de trinta, a turma expelia baforadas de fumaça de seus cigarros de palha, enquanto, entre uma conversa e outra trocavam de mão em mão um copo de cachaça de péssima qualidade, o que era denunciado  pelas caretas que faziam. Num canto, numa altura de um metro e vinte um rádio da marca Tele União falava da feira que iria acontecer no Herval e região e também dava recados da comunidade campeira que eram ouvidos com muita atenção.

O armazém, que era parte de uma casa de alvenaria, permitia que os familiares entrassem no interior da habitação. No final de um corredor ficava uma porta lateral que tinha na sua frente, no jardim, um pé de jasmim e a aroma de suas flores inundavam o ambiente de toda casa, numa oferta de desodorante gratuito, mas de ótima qualidade.

Perus, galinhas, porcos, frangos e até filhotes de avestruz circulavam no pátio e redondezas; uma festa da bicharada. Atentos, olhavam para todos na espera do desejado alimento que ainda não tinha chegado. Barulho de milho, tumulto, a corrida era grande; "saiam da frente senão o porco te derruba”, alguém gritava.

Tinha o almoço, o café da tarde, a janta, o pós-dia e o planejamento do dia seguinte, uma festa interminável, principalmente para a gurizada, que estava sempre na expectativa do que iria acontecer.

O "Cárcere"

by J Costa

Não era um elefante. Não era um animal qualquer; era um homem. Um homem que de vez enquanto tirava um tempo para viver dentro de uma área de seis metros quadrados.  O espaço era uma garagem aberta. Era neste espaço sem portas nem paredes que o homem deslocava-se em trajetórias aleatórias, mas nunca ultrapassando os limites da garagem.

Conta-se que na Índia adestram-se os elefantes prendendo uma corrente de mais ou menos vinte metros no pescoço do animal e a uma árvore. Ao longo do tempo o bicho limita-se a passeios condicionados ao comprimento da corrente. O adestrador entende muito bem o processo que se estabelece entre o comprimento da corrente e o cérebro do elefante. Depois de um período que já está definido na receita passado de pai para filho, o adestrador coloca o elefante embaixo da árvore sem a corrente e, sem surpresas, o bicho circula no limite de vinte metros de percurso. Pronto, ele está preso ao seu limite imaginário.

No dia seguinte lá estava o homem. Dava passos ritmados e sem pressa, dentro do seu quadrado. Prendia algo entre os dedos em uma mão nervosa que se alternava em movimentos articulados de sobe e desce. Olhava para todos os lados, ia até a marca fictícia dos dois por três metros e voltava. Estava em sua vitrine sem vidros, mas com fronteiras marcantes e construídas para a sua realidade. Estava condenado a sua prisão. Uma masmorra, onde as paredes eram tênues cortinas de ar. Não havia grades e nem concreto. A arquitetura da prisão não tinha design especial nem torre de controle com faroletes especiais para anunciar fugas. A fuga era impossível. Ele era refém da prisão construída com os melhores materiais disponíveis na natureza: neurônios biodegradáveis. A tecnologia, embora primitiva, ainda era considerada de ponta.

O "cárcere" voltou a ser apenas uma garagem. O espaço se alternava entre dois mundos, o do escravo e do proprietário do espaço, um homem aparentemente livre.