domingo, 6 de dezembro de 2015

Narquita visita Bracatinga

by Jornei Costa

Narquita escutava a rádio Difusora, quando ouviu a notícia que o ex-prefeito de Bracatinga tinha sido preso. Surpreendido com o informe, como se tivesse sido golpeado pela argola do próprio laço, parou de amaciar a palha de milho, a qual serviria para acomodar o fumo do palheiro, e considerou em pensamento: “não é possível, ele tinha cara de honesto, aliás, falava como pessoa honestíssima; que coisa, não é possível”. Em Bracatinga morava um primo do Narquita que havia estudado filosofia num mosteiro na capital, aliás, era o único parente aculturado que tinha e que, de vez enquanto, ele o visitava. Juntando as notícias com a necessidade de fazer compras para abastecer a despensa foi logo pensando em ir a Bracatinga.

Narquita levantou cedo, tomou algumas cuias de chimarrão, fechou a porta do rancho, montou num matungo que já estava encilhado e se foi carreteira a fora. O percurso até Bracatinga ficava em torno de légua e meia, distância que a passo de cavalo não levaria mais que uma hora, tempo que daria para ele alinhavar um punhado de perguntas que faria ao primo.

“Oh de casa!”, gritou o Narquita na porteira que separava a rua da casa do primo. Primeiro, um cusco que estava deitado num pelego encostado na porta da casa, ladra, mas não levanta; depois, surge o primo passando a mão no rosto para tirar a remela do canto do olho e fala: “te aprochega tchê”, o que o Narquita atendeu sem qualquer cerimônia. Realizados os cumprimentos de praxe com movimentos de braços, mãos e ombros, abriu-se a conversa, enquanto o primo pedia licença para lavar o rosto.
O primo visitante iniciou a conversa:
- Primo, tão falando que prenderam o ex-prefeito. - Comentou o Narquita.
- Que posso te dizer, eu também fui pego de surpresa, pois nos meus mais de cinquenta anos nunca tinha visto coisa do gênero. - Respondeu o primo do espaço onde lavava o rosto numa bacia alousada.
- Tão comentando que acabou de chegar um inspetor da capital com fama de justiceiro.
- Estou sabendo, mas dizem que o dito cujo só poderia ser preso se houvesse ordem do pessoal da justiça; afinal, ainda não se sabe as motivações que levaram à prisão.
- Sabe primo, eu, sinceramente, colocaria a mão no fogo pelo gaudério, afinal ele parecia honesto e sempre mandava a máquina para patrolar a carreteira na frente do meu sítio, portanto, eu, pelo menos, não tinha queixa dele.
- É, mas o comentário que circula no boteco do Zé é que o “cara” está implicado na compra de uma cooperativa de extração de querogênio, falida.
- Mas foi com dinheiro dele ou da prefeitura? - Perguntou o Narquita.
- Não, foi com grana da prefeitura e a compra teria sido feita no país vizinho, fala-se que foi no Paraguai.
- Pô, então a coisa é grave. - Mas é só ele que está implicado ou tem mais gente? - O Narquita complementou a pergunta.
- Aí é que está o grande problema, dizem que parte da Câmara está envolvida.
- São estas coisas que me deixa aborrecido, ao invés dos “caras” cuidarem de Bracatinga incentivando a criação, abate e venda da carne ovelha... - O Narquita já começava mostrar com gestos faciais que estava incomodado com o acontecido.
-- Pois é, mas a coisa não fica só nisto, fala-se que o problema, também, é que não se está aprovando nada na Câmara; não decidiram nem a data da feira de arremate de gado deste ano.
- E aquele projeto de parceria na abertura de açudes para enfrentar as estiagens de verão?
- Também tá parado, fala-se que a única retroescavadeira da Prefeitura tá com defeito numa borrachinha. - Respondeu o primo.
- Olha primo, estava pensado em trocar o meu pequeno rebanho de ovelhas Merino por Corriedale, mas acho que não é ora de gastar as economias, afinal, até a cooperativa tem alegado que não está comprando peles de ovelha porque tá sem dinheiro. - Completou o Narquita.
- Primo a água esfriou, pego mais uma chaleira?
O Narquita coçou o toco de perna, olhou para as muletas e considerou:
- Não primo, ainda preciso pegar algumas coisas no armazém.
Dito isto, despediu-se, pegou as muletas, alinhou o corpo e se foi em direção ao matungo que estava amarrado embaixo de um cinamomo.
- Até mais primo!



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